Fé – A visão da alma

Paris Reidhead

 (Extraído do livro “Crentes que Precisam de Salvação”)

             “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem. Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho. Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem. Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo... De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam.” (Hebreus 11.1-6.)

 Nesse texto de Hebreus, encontra-se a única definição de fé que a Bíblia oferece. Eu a defino da seguinte maneira: a fé é a visão da alma, os olhos do espírito humano, a capacidade de enxergar algo que ainda não existe, de ver o que ainda está para existir. Naturalmente essa conceituação é bastante simplificada, pois a fé possui dimensões mais profundas que ainda vamos explorar.

Em seu livro Revival Praying (Orando por avivamento), Leonard Ravenhill dá uma definição sucinta, mas bem abrangente, do que é fé. Diz ele: “Pelo canal da fé recebemos tudo que temos ou ainda teremos na vida cristã aqui na terra”. E diz mais: “A fé é suprassensorial; não se vincula à lógica, não precisa estar em harmonia com ela, nem receia ser julgada por ela”.

Para ilustrar o significado de fé, Deus utilizou Isaque. Disse a Abraão que levasse Isaque, seu filho único, a um lugar que ele lhe mostraria. Era o local do sacrifício, o monte Moriá, onde mais tarde o templo seria erguido. E Deus disse a Abraão:

– Leve Isaque lá e ofereça-o ao Senhor.

Abraão era um homem de fé, e por isso obedeceu. A fé e a obediência estão sempre juntas: são as duas faces de uma mesma moeda.

É interessante observar que de onde Abraão morava, ele poderia ter ido ao monte Moriá, realizado o sacrifício e voltado no mesmo dia. Mas Deus não havia especificado como seu servo deveria chegar até lá, então ele fez um pequeno desvio para o leste, de mais ou menos um dia de viagem. Depois fez outro desvio para o sudeste que lhe custou outro dia de viagem. Acredito que ele queria passar mais tempo com o filho, pois o amava muito. Por causa disso, alongou um pouco a viagem. E Deus não o repreendeu por isso, pois conhecia o coração dele.

Quando eles chegaram ao sopé do monte, Abraão já sabia tudo o que iria fazer. Iria subir o monte e, uma vez lá, iria ajuntar algumas pedras, pegar a lenha, e fazer o filho deitar-se sobre ela. Depois teria de pegar a faca, imolar o rapaz e em seguida pôr fogo na lenha. Ele sabia exatamente o que era sacrificar. Mas veja o que ele diz em sua fé. Ele falou o seguinte ao seu servo: “Esperai aqui... e, havendo adorado, [nós] voltaremos para junto de vós” (Gn 22.5).

Abraão cria na ressurreição. O que ele dizia era:

– Vou fazer isso. Mas Deus prometeu que deste rapaz ele me daria uma descendência. E se ele quer que lhe sacrifique Isaque, tudo bem. Foi ele mesmo quem o deu a mim. Ele o devolverá para mim.

Isso é fé. A fé diz que Deus é poderoso para realizar aquilo que prometeu. O Senhor prometera que iria dar descendentes a Abraão por intermédio de Isaque, e iria cumprir o que prometera.

Em Romanos 4, temos alguns ensinamentos sobre a fé de Abraão e o que Deus quer que aprendamos com ela. Lemos no verso 3: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça”. E mais adiante, nos versos 8 e 9, lemos: “Bem-aventurado o homem a quem o Senhor jamais imputará pecado. Vem, pois, esta bem-aventurança exclusivamente sobre os circuncisos ou também sobre os incircuncisos? Visto que dizemos: a fé foi imputada a Abraão para justiça”.

O que a fé de Abraão tem que ver conosco? Aquele que deseja ter a salvação de Cristo precisa exercitar esse mesmo tipo de fé. Além disso, a promessa divina, de que ele seria pai de muitas nações, é dirigida não somente a Abraão, mas a todos os que recebem a salvação no amado Filho de Deus, o dom que ele nos concede pelo amor. Em outras palavras, todos os que, pela fé em Cristo, são nascidos na família de Deus, recebem a promessa de salvação.

Com isso em mente, podemos entender melhor o texto de Atos 1.8. “... ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra”.

Estamos falando de uma fé que não somente nos une a Cristo no presente, para salvação, mas nos coloca num relacionamento com Deus pelo qual vemos cumprir-se hoje, naqueles que creem em Cristo, a promessa que ele fez a Abraão há tanto tempo.

MacArthur escreve o seguinte:

 

“Eis como Jesus fala da verdadeira fé. Ela começa com a humildade e frutifica em obediência. E a obediência que resulta da verdadeira fé não é apenas um ato externo; é uma obediência que provém do coração. É por isso que ela supera a justiça dos escribas e fariseus. Jesus define a verdadeira justiça – a justiça que decorre da fé (Rm 10.6) – como obedecer ao espírito da lei, e não apenas à letra dela (Mt 5.21-48). Aquele que pratica essa justiça não evita somente o adultério, evita também pensamentos adúlteros. Não rejeita apenas a ideia de matar outrem, mas repele também o ódio. Jesus define sucintamente a dimensão da verdadeira justiça ao fazer, no Sermão do Monte, a surpreendente afirmação: ‘Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste’ (Mateus 5.48).”

 

Durante esses anos em que Deus me tem concedido o privilégio de pregar a Palavra, descobri que existem diversos tipos de fé. Vamos identificar cada um deles.

Fé intelectual. É uma atitude de aceitação intelectual da Palavra de Deus. Existem inúmeras pessoas nas igrejas que dão um assentimento mental ou intelectual ao que está escrito na Bíblia, e acham que são nascidas de Deus. Muitos dos que pensam que já acertaram a vida com Deus, na verdade, possuem apenas a “planta” da casa que deveria ser edificada sobre a Rocha.

O mero fato de alguém acreditar que o que está escrito na Palavra de Deus é verdade não significa que a Palavra foi aplicada nele. Ela, em si, é verdade, mas será que já se tornou verdade em nós? Precisamos fazer distinção entre entender a Palavra mentalmente, e recebê-la no coração. São duas coisas bem diferentes.

Em minha opinião, aqueles que aceitaram apenas intelectualmente o plano de salvação, nunca construíram de fato sua casa na Rocha. Essa é uma operação da graça de Deus, que consiste no processo: conscientização, convicção de pecados e arrependimento. (Mas não faço disso uma condição para ter comunhão com outros.) No dia do juízo, eles vão ficar sabendo que sua “casinha” desabou diante da enchente da ira de Deus. Aceitaram intelectualmente o que está escrito, concordaram apenas de cabeça. Não é essa a verdadeira fé.

Fé morta. Esse tipo de fé também é destrutivo. Quando me encontrava no Sudão vi muito dessa “fé morta” em amigos muçulmanos.

Sahid era o cozinheiro da casa da missão em Cartum. Certo dia, ele nos procurou para dizer que estava de partida com um grupo de missionários que se dirigiam para Lagos, Nigéria, a 5.600 quilômetros dali, e iriam atravessar o deserto de carro. Por sinal esse é um dos trechos mais difíceis do mundo para carros. Sahid iria cozinhar para esses missionários, mas também estaria voltando para sua terra. Havia saído de lá quarenta e quatro anos antes, quando fizera uma peregrinação a Meca, e agora iria retornar.

– Vim despedir-me do senhor, disse. Vou embora.

– Você é um homem muito religioso, não é, Sahid?

– Sou, explicou ele. Já fui à Meca duas vezes.

– Você observa todos os jejuns do Ramadã?

Ramadã é o período mais sagrado para o islamismo.

– Claro, todos os anos. Desde que era menino.

Isso significa jejuar durante um mês inteiro, desde o nascer do sol até o pôr do sol. Eles não comem nem bebem nada, nem a própria saliva.

– Você dá o dízimo?

– Dou.

Na lei muçulmana, além de entregar dez por cento do que ganham, uma vez por ano os fiéis dão dois por cento de tudo que possuem.

– Você ora, Sahid?

– Sim! Cinco vezes por dia.

– Sahid, perguntei, você tem paz no coração? Se você morrer, irá ficar com Deus?

– Ah, não. Não sei nada disso, não. Pratico minhas boas obras na esperança de que, no dia em que eu morrer, na hora em que for atravessar o abismo, Maomé segure minha mão, para que eu não tenha de sofrer.

Sahid observava rituais, ritos e tabus. Algumas coisas ele podia fazer e outras, não; alguns alimentos ele podia comer; outros, não. E ele observava tudo fielmente. Mas tudo era fé morta.

Se eu lhe perguntasse: “Maomé está vivendo em seu coração?” ele teria rido. Maomé, o deus dele, está sepultado. Suas cinzas se encontram no Kaaba de Meca. Se eu indagasse: “Deus já lhe revelou se você pertence a ele?”, ele riria de novo.

Amigos, existem inúmeras pessoas que mencionam o nome de Cristo e se acham ligadas a grupos cristãos, mas na verdade estão apenas praticando rituais e observando tabus. Elas se abstêm disso e daquilo, observam essa ou aquela prática. Foram batizadas e doutrinadas. Mas ainda não sabem que a salvação não é um conjunto de doutrinas, tabus e rituais. Não sabem que ser salvo significa ter a vida de Cristo em si mesmo. “Aquele que tem o Filho tem a vida.” E tais indivíduos têm tudo, menos Cristo. Portanto sua fé é morta.

A fé dos demônios. Essa fé nada mais é que uma reação emocional para com os horrores do inferno e as belezas do céu. É a fé expressa pelos demônios que clamavam: “Vieste aqui nos atormentar antes de tempo?” Eles sabiam que Jesus Cristo era Deus, e que iria julgá-los um dia. Mas continuaram sendo demônios. Lemos em Tiago que “os demônios creem e temem”. Mas continuam rebeldes impenitentes; apesar de crerem, ainda são demônios. Reagem emocionalmente assim:

– Não quero ir para aquele lugar horrível. O que ouvi falar a respeito do céu me agrada mais e quero ir para lá. Então vou crer em qualquer coisa que estabelecerem como requisito para me livrar do inferno e ganhar os céus.

Isso é fé de demônios.

A fé do coração. Em Romanos 10, encontramos uma definição clara e distinta do tipo de fé que nos salva unindo-nos a Jesus Cristo.

 

“Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” (Rm 10.8,9.)

 

É possível uma pessoa aceitar esses fatos apenas no intelecto – isto é, acatar as doutrinas e submeter-se aos rituais –, mas não possuir a fé que salva. Alguns podem até cantar as palavras do hino de Daniel Whittle:

 

Não sei como foi que essa fé que salva

A mim ele concedeu;

Nem como a fé em sua Palavra

Trouxe paz ao meu coração.

 

“Essa fé que salva, a mim ele concedeu...” Será que alguém acha que, sem a ajuda de Deus, algum miserável pecador empedernido, mais desejoso de comprar a salvação do que tudo, poderia voltar os olhos do espírito a 2.000 anos atrás, ver um judeu morrendo numa cruz romana, e crer realmente que a morte daquele Homem tem poder para alterar seu destino eterno e seu caráter?

Não, claro que não. Essa fé tem de ser vitalizada. Só assim se tornará a fé que salva, a fé do coração, que decorre do arrependimento.

Foi por isso que Paulo disse aos efésios: “Jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus [Cristo]” (At 20.20,21).

E os dois precisam ocorrer nessa ordem, pois assim é gerada a fé do coração.

O conceito de crer, atualmente, acha-se por demais desgastado. Crer, hoje, é apenas fazer um leve aceno de cabeça concordando com algo. Isso é o que chamo de “fé intelectual”. O que significa crer? Significa viver e agir de acordo com determinados fatos...

Ir ao Senhor Jesus Cristo é entregar todo o nosso ser a ele. É viver de acordo com a sua vontade, enquanto existirmos... é entregar tudo a Deus, assim como Abraão entregou.

Você é esse tipo de crente? Se já se conscientizou de sua condição de pecador, já experimentou a convicção de pecados, arrependeu-se, e agora, pela fé, deseja “nascer” na família de Deus, você é. Crer, segundo a definição dada pelo Deus da Bíblia, significa obedecer ao apelo do Espírito, entregar-lhe a vida de bom grado e humildemente, por intermédio de Jesus Cristo. É assim a fé salvadora, a única que Deus reconhece.

Depois de nos entregarmos a ele, temos de ir aplicando em nossa vida o princípio da entrega pessoal a cada momento. Tudo que o crente é e possui pertence a Deus. Entendamos uma coisa com muita clareza: o crente é simplesmente o guardião de tudo que Deus lhe confia. Alguém afirmou que a melhor maneira de um homem aplicar seus bens, isto é, com menores riscos e maiores dividendos, é entregar tudo nas mãos de Deus. Essa é a definição mais simples de “viver pela fé”.

É claro que podemos confiar em que Deus cumprirá sua Palavra. Então vamos continuar exercitando a pequena fé que temos, para que ela cresça e nós possamos fazer uso dela sempre que precisarmos.

Sendo novas criaturas de Deus em Cristo Jesus, temos de demonstrar nossa semelhança com ele em nosso viver diário. Precisamos dar lugar a Deus em todos os aspectos de nossa existência e confiar plenamente nele. É isso que significa “viver pela fé”.

O crente tem de ser semelhante a Cristo em tudo – nos hábitos, nas conversas e em suas metas de vida – não apenas aos olhos de Deus, mas também aos do mundo. Nossa parte é simplesmente obedecer; a de Deus é cumprir o que prometeu e operar de acordo com sua Palavra. Sempre que Deus ordena que façamos alguma coisa, ele nos concede seu poder, capacitando-nos a obedecer-lhe.

Todos os crentes em Jesus Cristo têm de viver pela fé, aplicando-a a todos os aspectos de sua vida. E isso é para todos, e não apenas para missionários, pastores e evangelistas.

O viver cristão é um “caminhar” pela fé. Dia a dia, passo a passo, vamos percebendo que o Senhor está-nos moldando cada vez mais segundo a sua vontade. Ele deseja tornar-nos semelhantes a si mesmo, operando em nós apenas até onde pudermos suportar. Seu objetivo é fazer de nós instrumentos que ele possa usar para sua glória.

Então abramos o coração para ele mais e mais, sem receios, para que ele opere em nós com toda liberdade, e ministre a outros por nosso intermédio. Somente assim glorificaremos nosso Pai celeste.

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