Deus está em todas as coisas?

Deus está em todas as coisas?

Hannah Whitall Smith

Um dos maiores obstáculos para permanecermos firmes na caminhada da fé é a dificuldade de perceber Deus em tudo. Algumas pessoas dizem: “Consigo me submeter facilmente a tudo aquilo que vem de Deus, mas não aos seres humanos. A maioria de minhas provações e dificuldades advém de meu contato com outras pessoas”. Ou então afirmam: “É muito bom falar de confiança, mas quando entrego uma questão a Deus, alguém com certeza irá aparecer e atrapalhar tudo. Embora não tenha dificuldade de confiar no Senhor, encontro problemas para confiar nos seres humanos”.

Esse não é um problema imaginário, mas sim de grande importância. Se não podemos solucioná-lo, ele realmente torna a caminhada da fé uma teoria impossível e visionária. Praticamente tudo na vida depende de nosso contato com seres humanos, e a maior parte de nossas tribulações é resultado do fracasso de outras pessoas, ou da ignorância, ou da displicência ou do pecado. Sabemos que não é Deus quem causa tudo isso. No entanto, se ele não for o agente nessa questão, como podemos afirmar: “Faça-se a tua vontade”?

Além disso, de que vale entregar nossos problemas a Deus se, no final das contas, alguma pessoa poderá se envolver e atrapalhar tudo? E como é possível viver pela fé se a atuação humana, na qual seria tolice confiar, pode ter uma influência dominante no percurso de nossa vida?

Ademais, todas as circunstâncias em que vemos a mão de Deus atuar são mais agradáveis e promovem consolo, embora seja difícil lidar com elas. As provações trazidas pelos homens, por sua vez, nos trazem amargura.

O que precisamos, então, é enxergar Deus em todas as coisas, e receber tudo direto das mãos dele, sem intervenção de terceiros. Somente assim poderemos ter uma experiência de total abandono e confiança perfeita no Senhor. Nossa entrega pessoal deve ser a Deus e não aos homens. E nossa confiança deve estar depositada nele e não na força da carne, senão fracassaremos diante da primeira dificuldade.

Então, de imediato, enfrentamos uma questão. Se Deus está em tudo, temos alguma garantia nas Escrituras de receber tudo de suas mãos, sem levar em consideração outras causas que podem ter sido fundamentais para que isso acontecesse? Minha resposta, sem hesitação é “Sim”. Para os filhos de Deus, tudo vem diretamente das mãos do Pai, não importando quem tenham sido os aparentes agentes. Para os crentes, não há “influência de terceiros”.

Todo o ensino das Escrituras garante isso. Nem um pardal sequer cai ao solo sem o conhecimento do Pai. Todos os cabelos de nossa cabeça estão contados. Não devemos nos preocupar com relação a nada, porque nosso Pai celeste cuida de nós. Não devemos buscar vingança, porque nosso Pai se encarrega de nossa defesa. Não devemos temer, porque o Senhor está ao nosso lado. Ninguém pode ser contra nós, porque o Senhor está a nosso favor. Nada nos faltará, porque ele é nosso Pastor. Quando passarmos pelas águas, elas não nos submergirão, e quando caminharmos pelo fogo, não seremos queimados, porque ele estará conosco. Ele fecha a boca de leões para que não nos façam mal. “É ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis.” (Dn 2.21.) O coração do homem está nas mãos de Deus e “como ribeiros de águas... segundo o seu querer, o inclina” (Pv 21.1). O Senhor governa sobre os reinos dos pagãos. Na sua mão há poder e força, e ninguém é capaz de resistir a ele. “Dominas a fúria do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as amainas.” (Sl 89.9.) “O Senhor frustra os desígnios das nações e anula os intentos dos povos.” (Sl 33.10.) “Tudo quanto aprouve ao Senhor, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos.” (Sl 135.6.) “Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos! Que leve sussurro temos ouvido dele! Mas o trovão do seu poder, quem o entenderá?” (Jó 26.14.) “Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento.” (Is 40.28.)

E esse é o mesmo Deus que declarou ser “nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações. Portanto, não temeremos ainda que a terra se transtorne e os montes se abalem no seio dos mares; ainda que as águas tumultuem e espumejem e na sua fúria os montes se estremeçam” (Sl 46.1). Diremos do Senhor: “Meu refúgio e meu baluarte, Deus meu, em quem confio. Pois ele te livrará do laço do passarinheiro e da peste perniciosa. Cobrir-te-á com as suas penas, e, sob suas asas, estarás seguro; a sua verdade é pavês e escudo. Não te assustarás do terror noturno, nem da seta que voa de dia, nem da peste que se propaga nas trevas, nem da mortandade que assola ao meio-dia. Caiam mil ao teu lado, e dez mil, à tua direita; tu não serás atingido... Pois disseste: O Senhor é o meu refúgio. Fizeste do Altíssimo a tua morada. Nenhum mal te sucederá, praga nenhuma chegará à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos” (Sl 91.2-11). “Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei. Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?” (Hb 13.5,6.)

Percebo que esses trechos das Escrituras e muitas outras passagens parecidas solucionam definitivamente a questão da influência de terceiros na vida dos filhos de Deus. Eles estão todos sob o controle de nosso Pai e nenhum deles pode nos fazer mal, exceto com o conhecimento e a permissão de Deus. Pode ser o pecado dos seres humanos que origina a ação, e portanto não podemos afirmar que isso seja a vontade de Deus. Entretanto, quando o problema nos sobrevém, passa a ser da vontade de Deus, e devemos aceitá-lo como tendo vindo direto de suas mãos. Nenhum ser humano ou grupo de pessoas, nenhum poder no céu ou na terra, podem tocar a alma que habita em Cristo, sem antes passar pela presença do Senhor e receber o “selo de aprovação”. Se Deus é por nós, não importa quem possa estar contra nós. Nada pode nos perturbar ou nos ferir, exceto se nosso Senhor achar que será para nosso benefício e permitir que tal nos sobrevenha.

O cuidado de pais humanos para com o filho é uma pálida ilustração desse ponto. Se a criança se encontra nos braços do pai, nada pode tocá-la sem o consentimento dele, a menos que este seja muito fraco para prevenir. E ainda que seja o caso, ele sofrerá o mal antes que qualquer coisa possa chegar a seu filho. Se um pai terreno cuida dessa maneira de seus familiares, muito mais nosso Pai celeste, cujo amor é infinitamente maior, cuja força e sabedoria nunca podem ser derrotadas, cuidará de nós! Receio que haja muitos cristãos pensando que Deus se iguala a eles em carinho, amor e cuidado. Em sua mente, o culpam de negligência e indiferença, atitudes que eles próprios seriam incapazes de demonstrar. A verdade é que o cuidado do Senhor é infinitamente superior à capacidade humana. Ele, que conta os cabelos em nossa cabeça e não permite que nem sequer um pardal caia ao solo sem seu consentimento, percebe as questões mais insignificantes que podem afetar a vida de seus filhos e as controla de acordo com sua perfeita vontade, qualquer que seja sua origem.

Existem inúmeros exemplos disso. Lembremo-nos da história de José. Quando seus irmãos o venderam como escravo, à primeira vista, pode ter parecido resultado de pecado, e totalmente contrário à vontade de Deus. E no entanto, José, falando sobre isso, afirmou: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem” (Gn 50.20). “Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque, para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós.” (Gn 45.5.) Com certeza, os irmãos de José pecaram. Entretanto, quando os resultados alcançaram José, já haviam se tornado a vontade de Deus para a vida dele, e, embora ele não percebesse de início, foram uma grande bênção para toda sua vida. Então podemos perceber como Deus é capaz de fazer até mesmo “a ira humana louvá-lo”. E, como todas as coisas, até mesmo o pecado de outros, “cooperam para o bem daqueles que o amam”.

Antes de conhecer a verdade bíblica sobre essa questão, aprendi essa lição na prática. Participei de uma reunião de oração realizada para abordar o assunto da caminhada de fé, quando uma mulher desconhecida ficou de pé para falar. Eu olhei para ela, imaginando quem seria, sem supor que ela traria uma mensagem que me ensinaria uma lição prática muito importante. Ela afirmou ter dificuldades em sua vida cristã, por causa da atuação de terceiros, que parecia controlar tudo que lhe dizia respeito. Ficou tão incomodada que começou a pedir a Deus para ensiná-la o que havia de verdadeiro naquelas circunstâncias; para mostrar-lhe se ele realmente estava presente em tudo. Após orar a esse respeito por alguns dias, ela teve uma visão. Viu-se num lugar totalmente escuro, e havia uma luz que se aproximava dela. Aos poucos, a luz a envolveu, iluminando tudo ao seu redor. À medida que o clarão se aproximava, ela ouviu uma voz dizer: “Essa é a presença de Deus! Essa é a presença de Deus!” Enquanto aquela presença a rodeava, tudo de ruim no mundo passou diante dela – exércitos, homens maus, feras, tempestades e pestes, pecado e sofrimento de todo tipo. Imediatamente ela se recolheu, horrorizada, mas logo percebeu que a presença de Deus a envolvia de maneira grandiosa, bem como a cada uma daquelas circunstâncias. Nenhum animal poderia esticar a pata, nenhuma bala cruzaria o ar, exceto se a presença de Deus permitisse que isso acontecesse. Ela percebeu que, se aquela presença, ainda que fina como um pedaço de papel, estivesse entre ela e o mal mais terrível, nem sequer um fio de cabelo dela seria tocado, exceto se a presença se afastasse para permitir que o mal atravessasse. Então, todas as circunstâncias incômodas da vida passaram diante dela. Igualmente, ela percebeu que estava tão envolvida na presença de Deus, que nenhum olhar desagradável, uma palavra dura ou uma provação de qualquer espécie poderiam afetá-la, a menos que a presença de Deus se afastasse para permitir que aquilo acontecesse.

Suas dificuldades desapareceram. Seus questionamentos foram respondidos para sempre. Deus estava presente em tudo, e a partir de então ela deixou de considerar a intervenção de terceiros. Percebeu que a vida chegava até ela, dia após dia, diretamente da mão de Deus, não importando o que parecia controlar o que ela vivia. Nunca mais aquela mulher encontrou dificuldade em aceitar a vontade de Deus e entregar-se com toda confiança aos cuidados do Senhor.

Quem dera fosse possível fazer com que todos os cristãos percebessem essa verdade tão claramente como eu! Estou convencida de que essa é a única maneira de ter uma vida de descanso total. Nada mais pode capacitar uma pessoa a viver apenas o presente momento, como somos ordenados a fazer, e não ter preocupação nenhuma com o amanhã. Nada mais pode anular todos os riscos e incertezas da vida cristã, e nos levar a dizer: “Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida” (Sl 23.6). Sob o cuidado de Deus não corremos nenhum risco.

Certa vez ouvi o caso de uma senhora bem pobre, mas bastante alegre. Ela relatou que uma amiga crente lhe disse, desaprovando sua constante satisfação:

– Ah, Nancy, é muito bom estar feliz agora, mas se pensar sobre o futuro você não ficaria tão contente. Imagine, por um instante, que você ficasse doente e não pudesse mais trabalhar, ou que seus atuais patrões mudassem e ninguém mais lhe desse emprego, ou imagine...

– Pare!, gritou Nancy. Eu nunca faço suposições. O Senhor é meu Pastor. Sei que não terei necessidade de nada.

– Querida, ela continuou dizendo à sua amiga, são todas essas suposições que tornam sua vida tão sofrida. É melhor desistir de todas elas e apenas confiar no Senhor.

Nada mais a não ser essa percepção de que Deus está em todas as coisas nos faz ter amor e paciência para com aqueles que nos irritam e nos atribulam. Eles serão para nós como instrumentos para realizar o propósito amoroso e sábio de Deus para nossa vida, e passaremos a agradecer pelas bênçãos que eles nos trazem.

Nada mais pode pôr fim à murmuração e a pensamentos rebeldes. Os cristãos pensam ter a liberdade de reclamar de seus semelhantes, quando na verdade não ousariam reclamar contra Deus. Portanto, essa nova postura de perceber que todas as coisas vêm do Pai torna impossível que murmuremos. Se nosso Senhor permite que tenhamos alguma provação, é porque essa é a melhor coisa que pode nos acontecer, e devemos aceitá-la com gratidão, como vinda das mãos de Deus. Isso não significa, porém, que devemos desfrutar a provação em si, mas apreciar a vontade de Deus. Não é difícil agir assim quando aprendemos que Deus nos ama e que sua vontade reflete seu amor.

Podemos encontrar um exemplo disso na ilustração de uma mãe dando remédios para seu filho. O frasco contém um medicamento, mas é a mãe que o dá. O frasco não é responsável pelo tratamento, mas sim a mãe. Não importa se o armário esteja repleto de vidros de remédio. A mãe não permitirá que a criança receba nem uma gota sequer, a menos que tenha certeza de que fará bem a seu filho. Entretanto, quando tem certeza de que aquilo será para o benefício de seu ente querido, as profundezas de seu amor a impelem a forçar que a criança tome o remédio, não importando o quanto possa ser amargo.

Geralmente, as pessoas que nos cercam são os frascos que contêm o remédio, mas é a mão de nosso Pai de amor que faz com que o recebamos e que nos força a beber. Os seres humanos são “influência de terceiros” em nossa provação. Contudo, eles não são a causa, porque o remédio que esses “frascos humanos” carregam foi prescrito para nós e nos é dado pelo Médico dos médicos, que busca curar nossas doenças espirituais.

Não se conhece nenhum remédio melhor para curar o mal da irritabilidade do que ser forçado a viver com uma pessoa difícil.

Será que deveríamos nos rebelar contra os seres humanos? Não é melhor receber com gratidão o remédio que vem de nosso Pai, em tudo aquilo que nos sobrevém, e afirmar com alegria: “Faça-se a tua vontade”, independentemente da fonte?

Essa atitude de enxergar a participação do Pai em tudo faz de nossa vida uma constante prática de ação de graças, que traz descanso para a alma, e mais do que isso, alegria indizível ao espírito.

Em seu maravilhoso hino sobre a vontade de Deus, Faber afirmou:

Não sei o que é duvidar;

Meu coração está sempre alegre;

Não corro riscos, porque, não importa o que aconteça,

O Senhor sempre cumpre sua vontade.

Portanto, como Deus sempre cumpre sua vontade para com aqueles que se entregam a ele em total confiança, aos pastos verdejantes de descanso e às águas tranquilas que refrescam ele sempre nos guia!

Se aceitarmos a vontade de Deus – e ele sempre faz o que deseja – então nós também alcançaremos nossa vontade, e reinaremos em um reino perpétuo. Aquele que está ao lado de Deus sempre obtém a vitória. Se o resultado for gozo ou tristeza, fracasso ou sucesso, morte ou vida, em todas as circunstâncias podemos nos unir ao clamor vitorioso do apóstolo: “Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo” (2 Co 2.14).

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Hannah Whitall Smith é autora do livro O Segredo de Uma Vida Feliz, um clássico da espiritualidade cristã, escrito em 1857. O artigo foi extraído dessa obra, publicada pela Editora Betânia.

 

 

1 comentário

Ernando gomes da Rocha

Fui assinante da Mensagem da Cruz sempre gostei de ler esta revista e livros da Editora betania ja li alguns gostei do artigo espero que tenha mais para aproveitarmos .da mensagem da cruz online.

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